Monday, November 17, 2008

Ilusões

Sentado na doca contemplava a sua obra finalmente acabada. Outrora um resto de uma embarcação, agora uma belo navio. Pensava em voltar-se a aventurar por esse magnifico oceano que o aguardava fora daquela enseada, o mar que o chamava...
Enquanto se entretinha nestes pensamento chega uma rapariga de cabelos pretos, habituada a fazer esta visita. Antes esperava-a com ansiedade, hoje apenas dá por ela quando ela se aninha debaixo do seu braço. Não porque já não se interesse por ela, apenas porque algo dentro dele, há já muito adormecido foi desperto.
- Então, acabaste finalmente? - pergunta à espera de qualquer reacção.
- Sim pequena - responde, enquanto lhe afaga gentilmente o rosto - finalmente está pronta, de volta à sua velha glória...
- Está com muito melhor aspecto, desde a primeira vez que a vi... - responde provocatoriamente.
- Tu só a viste no fim de um ciclo... eu também não tinha muito melhor aspecto... - retorquiu.
- Que pensas fazer agora que está pronta? Não era desta que ias assentar? - perguntou já mais irritada, pois não estava a apreciar a conversa.
- Nunca te prometi isso! - disse irritado - Também não te disse que ia desaparecer...
- Mas também não o negas!!! - gritou aquela pequena figura de belos cabelos negros e bochechas salientes, que ficaram altamente rosadas.
Beijou-a ternamente e disse - Não o nego pois não sei o que vou fazer. Não te quero abandonar, pois foste a melhor coisa que me aconteceu. Mas não posso simplesmente negar aquilo sou...
Um pouco mais resignada respondeu-lhe - Nunca te tentei domar, apenas quis que ficasses enquanto quisesses... sempre me dissestes que não eras de criar raízes, eu quis sonhar que talvez por... mim ficasses.
- Se ficasse por alguém seria por ti, linda. - respondeu enquanto lhe limpava a lágrima que lhe caía pelo rosto - Sei bem que nunca tentaste mudar a minha essência, nem fugiste quando te contava a violência e escuridão por onde passei e que sou... - disse enquanto olhava pensativo para o rosto da mulher que o tinha acompanhado nos últimos anos. Tinha ficado a seu lado quando não o conhecia, tinha lhe tratado os ferimentos quando poucos achavam que não recuperaria. Mas acima de tudo não esquecia que se tinha podido recuperar o que foi a sua casa durante tantos anos, fora graças a ela que tinha impedido a sua destruíção enquanto esteve inconsciente durante aqueles meses... Pensava o quanto lhe custaria abandoná-la, odiava-se por pensar isso sequer... sabia o sofrimento que lhe iria causar caso tomasse a decisão de partir.
Ao olhar para ele pensativo, calculava o que pensava, já partilhavam a vida à algum tempo... são coisas que se sabem... disse-lhe ternamente - Não te preocupes comigo, estou disposta a esperar... se precisares de navegar sabes aqui terás sempre um porto de abrigo, virei todos os dias a esta doca esperar pelo teu regresso! - disse assertiva e confiante que isso o animaria.
- Isso nunca! - respondeu irritado - Caso eu desapareça, esquece-me! Pensa em mim como uma recordação de outros tempos, outra vida! Da minha última viagem tu viste como é que eu acabei! mais morto que vivo, agora se por acaso volto mas morto? Achas que te quero dar uma falsa esperança para entrares pela embarcação a dentro e me veres a decompôr??!! Não, caso desapareça, esquece-me e segue a tua vida!! - disse, sentido uma enorme amargura dentro de si.
Ela olha para ele com os olhos cheios de uma fúria animal, mas com uma enorme dor e diz-lhe - E julgas que esquecer-te é mais fácil? Construímos algo, deves pensar que é fácil reconstruír isso só porque precisas de ir viajar! Sempre disseste que quando desaparecias nunca deixavas vestígios... imagino quantas lágrimas não viste, a quantos choros fugiste... lá por para ti estar tudo fechado, nunca pensas nos quem ficam para trás, naqueles que sofrem quando desapareces, nos que não te quiseram esquecer! - Apesar de ser sua confidente, nunca lhe tinha falado com tanta raiva e desgosto antes.
Levantando-se, enquanto olhava para o mar, pois não conseguia olhar para ela - Se ainda aqui estou é por pensar no que isso te poderia fazer, de como tu irias ficar. Se quiseres posso fazer com que me odeies e que não queiras outra coisa que não a minha partida. Pensei que aquilo que temos valia apena conservar quanto mais não fosse numa memória, num lugar reservado aos amantes... Aqueles que um dia ousaram amar, aqueles que se disposeram a sofrer. - disse com amargura na voz - Não fosse tudo aquilo que temos, eu já teria partido durante a noite sem que ninguém desse por isso. Não fosse aquilo que construímos, já não estaria atracado à muito tempo... Não te estou a dizer que vou partir agora, estou a dizer que é uma possibilidade... e só por que te amo te digo isto, caso contrário apenas desapareceria...
- Então nem direito a uma última noite teria? - perguntou com tom irónico
- Tens direitos a todas as noites e dias que quiseres, a última só o saberás depois de eu desaparecer... pois eu também o saberei depois de embarcar. Não há nenhum plano, apenas há um chamamento que é difícil de ignorar... - respondeu, enquanto uma lágrima lhe caía pelo rosto.
- Realmente cada vez te percebo menos, ao fim de tantos anos choras... Tu pensas em fugir e choras?! - disse, achando que aquela lágrima era apenas hipocrisia.
- Tu achas mesmo que quero fugir de ti? de nós? Então o melhor é mesmo ir embora... eu estou a chorar porque me custa abandonar-te e ainda mais custa-me a dor que te vai causar...
- Mas porquê agora? Só porque acabaste a resconstrucção da tua companheira de viagens? Tu andas melhor, até já vais para a taberna conversar... as pessoas da vila já te aceitam com um deles... Porquê agora?? - gritava em plenos pulmões enquanto desatava num pranto ao ter-se aprecebido que se calhar teria sido injusta.
Deu um riso forçado e respondeu - Achas que eu estar na taberna a ter conversas banais é estar bem? Isso é logo razão para se ficar preocupado! Sabes bem que o me motiva não são as banalidades, que odeio esse tipo de conversa e que só a tenho quando estou mesmo cheio de tédio... Nunca me aceitaram como um deles porque nunca vi a vida como eles! Chamem-me de sonhador, de idealista mas não nasci para seguir os passos comuns de crescer, assentar, ter filhos e eventualmente morrer... Não nasci para viver nesta sociedade de vistas curtas onde quem acredita em algo é visto como estranho... Olharam para mim quase a morrer e queriam queimar o meu barco pois não trazia ouro... Achas que estou bem ao dar-me com essa gente? Achas que estou bem enquanto estou sentado a gozar com essas pessoas e elas são demasiado estúpidas para perceber que o estou a fazer? Não! Não ando bem há muito tempo e tu sabes disso... não o querias ver! As dicussões animadas que tinhamos já não existem há muito, já não dou a luta que dava... O prazer que me davam aquelas animadas trocas de ideias... pela primeira vez encontrei alguém que me fez mudar de ideias numa conversa. Tu e só tu me fiz e faz ficar neste local... Pela primeira vez posso dizer honestamente que amei, que amo. De outra forma já me teria ido embora, de outra forma não estaria a ter esta conversa contigo... a tentar que tu percebas...
Levanta-se, aproxima-se dele e aninha-se a ele dizendo - Não é que não perceba, aliás como tu dizes já desconfiava mas a realidade dói mais que o que alguma vez pensei...



Tormentedly Yours
Mente Atormentada

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