“O Tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem, o Tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo, tempo tem.”
Trava-línguas popular
A noite já ía longa, quando o carro se acercou daquele ermo. Saí, precisava de pensar, precisava de falar...
Junto com o rebentar das ondas, ouço a voz que procurava:
- O que fazes aqui? ainda por cima a estas horas?
- Preciso de pensar...
- E o que é tão urgente para vires a este lugar agora?
- É o que estou a tentar perceber...
- Mas que raio?! Já viste onde vai a lua? São horas de dormires, não de pensares...
Sussuro: Acho que é a ânsia....
- Hein? A ânsia?!
Anuí a medo.
- Como assim? A ânsia? Outra vez?
- Sim, a ânsia de tudo fecundar...
- Terra, mar....
- Mãe...
- Uma vez não te chegou? Fez poucos estragos foi?
- Não me apercebi, só me apercebi há pouco...
- Faz quanto tempo? Uma década?
- Por aí, um pouco mais penso eu...
- E agora?
- Agora que sei a moléstia, felizmente sei a panaceia...
- A mesma? Estás esquecido do que foi? Estás esquecido da merda que deu?
- Não, bem recordado... Mas desta vez não é tão grave, acho que parte de mim percebeu o que era antes de eu me consciencializar, e focou a ânsia para algum relaxamento...
- Como assim? Conseguiste controlar sem te aperceberes?
- A ânsia levava-me para sítios onde relaxava, apesar de não descansar... Acho que consegui controlar alguma coisa...
- Bem estou surpreendido, mas ao mesmo tempo nem tanto... Gastaste muitas horas a treinar-te da outra vez...
- Ele há coisas que deviam ficar fechadas... Por vezes um momento de distração dá nisto...
- Distração? Ainda no outro dia estavas bem, ou pelo menos aparentavas... E eu costumo perceber.
- Abri portas, quis abri-las, não reparei que esta não ficou bem fechada. Junta-lhe o cansaço e tens o resultado... Felizmente percebi a tempo...
- Ainda foi a tempo? De certeza? Ainda não fizeste merda?
- Alguma fiz certamente, mas penso que não irremediável...
- Pensas que não irremediável, olha que bonito...
- O que está feito, está feito, já não depende de mim... De mim já só depende voltar a fechar isto...
- Mas de que maneira? Vamos voltar a destruír mundos novamente? É esse o brilhante plano, é?
- Se fosse grave poderia ser, mas penso que não seja necessário. Não saíu completamente, há outras soluções menos drásticas...
- Primeira boa notícia desde que aqui chegaste.
- Pensei que chegar seria boa notícia...
- Seria se não fosse as estas horas, a estas horas tinha de ser sério...
- Realmente...
- Ainda estou para perceber como é que conseguiste soltá-la uma vez, ainda por cima uma segunda...
- Sabes bem como... Sabes perfeitamente o que era preciso na altura...
- Nunca te coube a ti salvar o mundo, nem a nenhum Homem...
- Pois não... Mas por vezes alguém tem de tentar...
- Só os loucos...
- Há loucuras piores, e para o bem ou para o mal aguentava o peso...
- Mas não aguentas para sempre...
- Já nem o aguento agora, já não o carrego... Há quem diga que vivo em tempo emprestado...
- Ainda não meu amigo, ainda não.
Solto o primeiro sorriso desde que aqui cheguei. A noite vai cada vez mais alta, os cigarros cada vez mais curtos...
- Achas que tens solução melhor, então?
- Penso que sim, tenho mais por que ficar do que para partir... Além do que penso já não ter aquele tipo de força necessária para a outra solução, transformou-se noutra...
- Quem transforma num tipo, também transforma noutra infelizmente.
- É verdade, mas não quero... É suficiente para não transformar...
- Também é verdade. E com esta me vou que a corrente não espera...
Entro novamente no carro, deixo para trás os cigarros que faltam. E perdido por entres as ondas o mar segue o seu caminho...
Tormentedly Yours
Mente Atormentada