Saturday, January 17, 2009

Tertúlia

Hoje foi um dia bom... sentimento estranho neste local. Acordei lendo palavras das mais doces que um homem pode ler... Só isso já era presságio de um bom dia.

Fui almoçar a um qualquer restaurante da nossa Lisboa, onde ainda se pode tabaquear à vontade, durante esse almoço entro numa discussão com o meu pai. Uma discussão onde ideias são trocadas e inúmeros temas debatidos. Quando dou por mim está toda a sala, apenas quatro no total, imersa numa intensa troca de temas e ideias... Nisto perderam-se perto de três horas, ou ganharam-se... Durante este tempo homens vividos trocaram ideias e assustaram-se como um jovem tinha tanta capacidade de encaixe àquilo que lhe era dito, como conseguia estar taco a taco nessas discussões.
Respondia-lhes simplesmente: "Não sou um fruto da minha geração, sou fruto de uma geração que considera este tipo de tertúlias o melhor tipo de aprendizagem que existe. Trocam-se ideias, sem se as impôr, e no fim de tudo saímos com mais conhecimento que ao que entrámos.". A esta resposta surge todo um tipo de questões, pois a sua experiência ensinou-lhes que os jovens já não têm tal mentalidade. Contudo ao contínuar a articular o que penso vão-se rendendo às evidências. Nisto a tertúlia contínua e vamos bebendo mais um copo, com o passar das horas passamos do tinto ao gin, a conversa vai-se intensificando e as ideias fluiem... Não estamos restritos a um só tema, não o conseguimos... estamos a debater tudo e nada. A nossa mente renascentista leva-nos a todo lado, todos os aspectos da nossa sociedade são ali debatidos, não há doutores nem engenheiros apenas homens com convicções... Ao longo desta tertúlia ouvi, falei, aprendi mas nunca me cansei. Há muito que não tinha uma conversa assim, intelectualmente desafiante. Não se podia perder momento da conversa pois podia-se perder dois ou três temas. Com o passar do tempo voltamos a ficar apenas dois, o passar das horas obrigava a maioria a regressar as suas casas, às suas famílias... Contudo os enfastiados da vida continuavam animadamente a debater temas de pouca relevância há nosssa sociedade, mas de extrema complexidade àqueles que observam a vida.
Nisto o tempo vai passando e o gin vai escaceando no copo, está na altura de abalar para outro local recondito deste cidade. Dou por mim na graça, numa qualquer tasca onde ainda se canta um fado vadio. Aí peço mais uns gins e a tertúlia contínua, apesar de restringida a duas vozes a intensidade não cessa, recebemos então um pedido de silêncio mas a conversa estava muito boa para cessar. Vamos para a porta, acendemos um cigarro e continuamos animadamente a trocar ideias. Paramos por vezes para ouvir um fado que nos diz mais, mas nem aí a mente sossega... Há muito que buscava desafios e este é um belo momento para tal e como tal assim que o tal fado cessa a tertúlia continua.
Assim se passou um almoço até à hora de jantar. Estes momentos são raros, tão raros que vale apena um texto para os descrever. Raramente ou talvez pela primeira vez coloco aqui um texto sobre um acontecimento aparentemente curriqueiro, mas devido ao desafio intelectual que o momento trouxe achei que merecia a descrição. Os enfastidiados saberam a que me refiro, saberam o prazer que estes momentos trazem.


Tormentedly Yours
Mente Atormentada

Sunday, January 11, 2009

Até onde o vento te leve

Arrumo as minhas coisas, é altura de partir desta casa onde vivi os últimos anos. Não sei se a altura é a correcta, nem sei sequer se algum dia o será. Contudo sei que este quarto estará sempre aqui para mim. Custa-me deixar este local, estas figuras que me acompanharam durante tanto tempo, sei que as posso visitar sempre que queira mas deixar o local onde me fiz. Começo-me a dirigir para a porta do meu quarto quando entram dois irmãos, que partilham a mesma luta, Ah Puch e Anúbis vêm despedir-se. Enquanto me abraça Ah Puch diz:
- Irmão foi um prazer ter-te aqui, já há muito que não tinha conversas tão estimulantes. Alguém que percebe-se bem a nossa realidade, alguém que faz parte da nossa realidade.
Anúbis confirma dizendo: Realmente é verdade, muitos desejam o que nós representamos mas poucos vieram até aqui fazendo parte do que nós somos. Claro que essa viagem te foi cara, ainda me lembro no estado em que estavas quando aqui chegaste, nem nós que conhecemos bem os mortos tinhamos visto tal coisa.
Recordo esses tempos e abraço-o - É verdade amigo, nem os mortos têm assim tal aspecto. Esperemos que aquando da minha próxima visita não venha nesse estado. Não sei se sobreviveria a outra repetição dessas. O caminho para cá chegar foi duro, mas o que o fez começar foi mortífero - respondo.
Sentindo alguma dúvida em mim, Ah Puch tranquiliza-me dizendo - Já aprendeste muito desde a última vez. Tens as cicatrizes para te lembrares, em caso de dúvida olha para o teu corpo e lembra-te do que foi evitando assim cometeres os mesmos erros.
- Tens razão. - digo, enquanto pego no meu saco - Mas o sonho por vezes faz-nos esquecer... - conclu-o enquanto me dirigo para a porta.
Deixo os meus companheiros de causa, juntos já trouxemos tanta morte ao mundo, e sigo pelo corredor longo e sombrio até à grande sala. Pelo caminho encontro outra figura que muito tem a ver com a minha estada aqui.
- Hades camarada, há quanto tempo... - digo, enquanto me dirigo para o abraçar
- Soube que estavas de partida, não te podia deixar partir sem me despedir! Mas que olhar é esse? - pergunta-me ao ver-me mais perturbado que certo
- Ah! Já sabes como é, meto-me a pensar em tudo o que pode correr mal e dá nisto - digo-lhe enquanto o abraço
- És sempre a mesma coisa, isso em batalha é bom que vês as lacunas na tua posição, mas para onde vais isso não conta. Vais assim e é a mesma coisa que continuares aqui... - diz-me com amizade.
- É verdade, mas sabes como é...não se desliga a essência do que somos de um dia para o outro...
- Nem com anos tu fazes isso - interrompe-me em tom irónico.
- Realmente tens razão, as certezas com que cheguei não foram dissipadas - respondo-lhe com ironía e pesar.
- Ah rapaz, tu não mudas mesmo. Bicho até ao fim! - diz com uma gargalhada.
- Ouve lá onde é que está o Charon - pergunto para ver se mudo o assunto - queria despedir-me dele, foi graças à ajuda dele que aqui cheguei.
- À dele e à minha que lhe deixei dar-te boleia - retorquiu um pouco irritado - tu sempre me intrigaste, há muito que não via tanta escuridão numa pessoa. Ele não está aqui, que os rios estão com bastante afluência e ele não pôde vir, mas manda-te um abraço
- Então obrigado a ti também, mas dá-lhe um abraço meu quando o vires.
- Será entregue, mas não precisas de agradecer há muito que não me perdia em conversas.
- Bem vou-me despedir do patriarca, temos muito que falar. - Despeço-me, com alguma ansiedade, sei que esta conversa não vai ser fácil.
Continúo pelo corredor até chegar a uma sala espaçosa, no topo norte encontra-se um trono e nesse trono encontra-se o patriarca, Ódin. Olha para mim e manda-me entrar, esperava-me...
- Anda cá rapaz, estava a ver que não te vinhas despedir de mim! Temos muito que falar. - Diz-me.
- Teria sempre que vir aqui, não me iria embora sem as minhas armas. - respondo-lhe como que se o desafia-se.
- És sempre o mesmo, até na despedida és insolente! - retorquiu com um sorriso - tens muito tempo para te equipar, antes vamos conversar um pouco. Então estás mesmo decido a partir? Achas que estás preparado? -pergunta-me, como se me testasse, queria saber se estava certo da minha escolha.
- Preparado não sei, mas está na altura de descobrir... - digo-lhe sem muita certeza.
- Estou a ver que as dúvidas já te assaltam, ainda ontem era só certezas... És sempre o mesmo, tudo ou nada. - diz-me num tôm de resignação - Certo ou não, já percebi que vais partir e não o vou tentar impedir. Contudo digo-te para teres cuidado, aquilo que os outros buscam tu temes, aquilo que os outros temem tu chamas casa. Não digo isto para te assustar, digo-te sim para que te lembres que o que para os outros é um desejo, é para ti um desafio. Um desafio maior que qualquer batalha que já travaste, sempre com enorme bravura, esse desafio é mais provável que te mate do que cem lanças contra ti... - alerta-me carinhosamente.
- Tenho consciência disso, mas... - hesito, pois sei que ele tem razão - é altura de confrontar os meus medos. Percebo que os perigos nesta viagem serão maiores que todos os outros, pois para isto não estou talhado, mas isso só torna o desafio ainda maior. Se for para morrer, porque não na maior batalha que possa ter? Não é isso que defendes? - Pergunto eu, agora já mais certo da minha decisão.
- Sabes que sim, era só isso que te queria ouvir dizer isso. Só queria que percebesses a magnitude do desafio que te espera. - confirma, e contínua com outro aviso -Sabes também que por muita força que tenhas, essa viagem não a podes fazer sozinho... Não sabes por onde começar, e começar não é o mais difícil.
- Sei-o bem.
- O mais difícil é quando te abres e mostras os horrores dentro de ti, essa fúria que te caracteriza tão bem. Nessa altura o mais provável é afastarem-se de ti... Não te esqueças que na estabilidade a tua intensidade desapareçe tu começas a desvanecer e costuma ser aí que partes...
- Há-de haver alguém que não fuja, alguém que queira ficar... Alguém que não tema a intensidade, a fúria que me rege... Alguém que me ensine a estabilizar sem desvanecer. É isso que parto em busca, é isso que procuro alcançar...
Espero bem que encontres... Não poderia desejar isso a melhor camarada de armas. - Disse, enquanto se levantava para se despedir de mim - Agora vem cá e abraça-me! Hoje vais deixar-me vestir-te o teu equipamento uma última vez.
- Deixarei sim - respondo-lhe, enquanto o abraço.
- Coloca a tua Xiphos à cintura - Diz-me, enquanto me a dá para a mão. - Toma o teu capacete coríntio.
Coloco-o e lembro-me da sensação de claustrofobia que me causou na primeira vez que o coloquei.
- Aqui está o teu hoplon, ou como tu gostas de lhe chamas o aspis - graceja enquanto me ajuda a colocá-lo no braço. - E por fim a dory, muito sangue já clamou esta. -Diz soltando uma gargalhada.
Durante todo este tempo não disse uma palavra, estava demasiado ocupado a absorver esta última experiência.
Enquanto me preparava para sair, Ódin diz-me - Queres que te mande chamar quando for a altura?
- Não é preciso. - respondo com uma firmeza inabalável - Vivo ou morto não perderei essa batalha. Confia em mim, cá estarei.
- Sempre confiei - murmurou - Nunca aqui tive ninguém com tanta firmeza para esse momento.
Dirigimo-me para a porta e preparo-me para abandonar este local a que ainda chamo casa.

Caminho pelos campos e o vento suspira Valhalla


Tormentedly Yours
Mente Atormentada

Saturday, January 10, 2009

Ventos e Marés

Ventos e Marés

A água toca gentilmente nos meus pés,
Olho carinhosamente para o mar que sai da baía.
As recordações enchem-me a mente,
Tantas viagens, tantos horrores, tantos amores...

O meu corpo transporta orgulhosamente as marcas
De tantas viagens de morte e sofrimento,
mas imaculado de qualquer coisa que transmita felicidade.
Não que os momentos não tenham existido,
Apenas não deixaram marcas...
São apenas ténues memórias do que um dia foi...

Memórias esquecidas, mas trazidas por uma nova maré.
Não sei porque as esqueci, talvez por saber
Que é a bonança antes da tempestade.
Mas então porque me agarrei à tempestade?
Para me agarrar à dor do poeta?
Para alcançar as palavras que apenas a tempestade traz?
Não sei, nem sei sequer
Se importa...

Contudo o sentimento da bonança
Vem de novo, com o soprar do vento.
Sinto-me perdido,
Apesar de tudo o que foi aprendido
Também o foi aparentemente esquecido...
Sou então preenchido com um sentimento de jovem,
Aquele sentimento ingénuo e puro.

Sentimento que nos enche de esperança,
Que nos faz acreditar que é realmente possível mudar o mundo.
Sentimento que nos faz esquecer as chagas que carregamos.
Por momentos voltamos a sonhar,
Por um instante voltamos a viver.



Normalmente apenas cito pequenas porções de texto que acho importantes ao raciocínio que pretendo apresentar, contudo hoje deixo um poema de Pessoa pois acho que simboliza bem o que está por detrás de excrever um poema.

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração
.



Tormentedly Yours
Mente Atormentada